Mobilidade urbana vai além do debate sobre o transporte público 403b3a

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A desigualdade se origina nos locais onde moram as pessoas mais pobres; como melhorar as condições de vida nas cidades se tudo o que é necessário fica longe, é caro e toma muito tempo?

  • Por Helena Degreas
  • 24/01/2023 18h00
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Willian Moreira/Futura Press/Estadão Conteúdo - 15/12/2022 Movimentação em transporte de ônibus no centro da cidade de São Paulo Em São Paulo, empresas de ônibus priorizam o à região central da cidade e deixam os bairros periféricos de lado

Cerca de 85% da população brasileira mora em cidades. Para ir de um lado a outro e cumprir todas as atividades diárias, algumas pessoas andam a pé, outros locomovem-se por bicicleta, automóveis e transporte público — como ônibus, trens e metrô ou até embarcações, em cidades com rede hídrica adequada. o à cultura, lazer, saúde, educação, compras e trabalho integram as atividades sociais e econômicas a que todo o cidadão tem direito. Bairros autoconstruídos e à margem das regulações urbanas espalham-se pelo território urbano, distanciados dos centros comerciais e prestadores de serviços — situação que dificulta, quando não, impossibilita, a oportunidade de participação pela falta de o.

O transporte público realizado pela frota de ônibus das cidades brasileiras é um dos principais meios de locomoção. Baldeações, atrasos, tarifas caras e horas e mais horas dispendidas em trajetos resultam da dissociação entre a localização do emprego, da moradia, da localização dos equipamentos públicos. O que ocorre, ao menos na cidade de São Paulo, é que os trajetos oferecidos pelas empresas de transporte priorizam dois tipos de locomoção. A estrutural, com veículos maiores, com uma ou mais articulações que rodam em corredores exclusivos, privilegiam deslocamentos pendulares de quem trabalha. Como a população trabalhadora não reside próxima aos corredores, as companhias atendem de forma precária o “miolo” dos bairros e proximidades. Ao privilegiar os trajetos realizados em corredores, empresas de transporte e prefeitura desconsideram as particularidades das viagens locais e os trajetos realizados por mães para levar filhos à escola ou de idosos que vão às unidades básicas de saúde, ou mesmo dos jovens que vão aos centros comunitários, bibliotecas e centros esportivos, por exemplo. Existe vida econômica e social nos bairros mais distantes. Meios de transporte público que integrem modais ativos são importantes para o o da população em geral.

A recente publicação intitulada Índice de o à Cidade mostrou-se uma ferramenta indispensável para nortear decisões estratégicas de planejamento. Como objetivo específico, o IAC pretende reduzir as desigualdades sociais, aumentar o o às oportunidades e promover a integração dos modos de transporte, contribuindo para cidades inclusivas e sustentáveis, alicerçando-se na Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), de 2012. Resultado da parceria entre a empresa de tecnologia 99, instituto Multiplicidade Mobilidade Urbana e o CLP (Centro de Liderança Pública), a pesquisa avaliou 17 cidades (13 capitais e 4 cidades de relevância econômica distribuídas nas cinco regiões do país) com o objetivo de avaliar as condições de oportunidades, uso do solo, desigualdades e sistemas de transporte por meio do Índice de o à Cidade — que aponta o quanto as cidades estão íveis para a população, considerando diferentes modos de locomoção. O IAC é composto pelo Índice de o à Cidade em Prol da Redução das Desigualdades (IAOD, que mede o o das pessoas residentes às oportunidades de trabalho, educação e saúde, considerando o uso do ônibus, bicicleta, mobilidade a pé e automóvel por aplicativo) e o Índice de Integração do Automóvel por Aplicativo com o Transporte Público (IATP, que mede a complementação com o transporte público por outros modos utilizados para ar uma estação de transporte ou após o desembarque).

O resultado da pesquisa não se configura nem pretende ser entendido como ranking de o entre os municípios, pois cada um deles apresenta distintas características, ao vivenciar diferentes condições de oportunidades, uso do solo, desigualdades e sistemas de transporte. Os resultados apontam que cidades menores, compactas, têm predisposição a IAOD maiores, uma vez que as oportunidades existentes, concentradas numa área menor, permitem o por outros modos de transporte (ativos) dentro de um período máximo, considerando-se o fator tempo. Já as cidades maiores e “espraiadas” apresentam mais possibilidades de integração do transporte coletivo. O IATP tende a ser maior, pois apresentam mais possibilidades e também maior necessidade de integração de outros modais (ativos e motorizados) do transporte coletivo, com investimento de tempo, eventualmente, maior em função das distâncias e baldeações, por exemplo. Capitais como Natal, Curitiba, Fortaleza e São Paulo apresentaram o IAC variando entre 40,9 e 56.1 de um total de 100 pontos. Já Teresina, Manaus, Campo Grande e João Pessoa têm indicadores menores de o às oportunidades oferecidas pelos centros urbanos, variando entre 15.3 e 33.9 – reiterando que números maiores apresentados na pesquisa mostram que as capitais provêm mais o às suas oportunidades, considerados os modos de transporte prioritários para a PNMU.

Desde a promulgação do Estatuto da Cidade (e lá se vão quase duas décadas) os prefeitos estão obrigados a incorporar em seu Plano Diretor, os respectivos Planos de Mobilidade, apresentando-os à população e informando como pretendem dar o às oportunidades existentes nas áreas providas de infraestrutura e serviços. Reitera-se que a desigualdade se origina nos locais onde moram as pessoas mais pobres, regiões periféricas desprovidas de infraestrutura e serviços essenciais à vida urbana plena. Como melhorar as condições de vida urbana se tudo o que é necessário fica longe, caro e toma muito tempo? É mais ou menos isso. A publicação veio em boa hora, permitindo a qualificação dos debates sobre mobilidade urbana, tema que, mais complexo do que a discussão sobre o sistema de transporte, exige do poder público e da sociedade conhecimentos mais abrangentes, inter-relacionados e multifacetados para que a tomada de decisões gere impactos positivos para os diversos grupos sociais e arranjos territoriais.

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*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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